Por que os atletas surdos não participam das Paralimpíadas?

Com a proximidade dos Jogos Paralímpicos, que acontecerão entre os dias 07 e 18 de setembro de 2016, no Rio de Janeiro/RJ, temos recebido questionamentos de diversas pessoas e instituições, além de jornalistas, a respeito da não existência de competições para atletas com deficiência auditiva nesse evento organizado pelo IPC (International Paralympic Committee).

Há uma historia por trás de tudo isso, que vamos tentar esclarecer aqui. Primeiramente, é preciso ressaltar que o primeiro Jogos Surdolímpicos (antes chamado de Jogos Internacionais Silenciosos) foram realizados em 1924, em Paris/França;  em 2017 haverá a 23ª edição do Summer Deaflympics (Jogos Surdolímpicos de Verão); temos, também, os Jogos Surdolímpicos de Inverno.

O ICSD (International Committee of Sports for the Deaf), que é o Órgão internacional que organiza internacionalmente o desporto de surdos, é reconhecido pelo IOC (International Olympics Committee) desde 1955, foi um dos membros fundadores!

As competições esportivas para pessoas com deficiência física só ganharam força após a 2ª Guerra Mundial, como parte do processo de reabilitação de soldados feridos nos combates. Em 29 de julho de 1948, foi organizada a primeira competição para atletas em cadeiras de rodas, um torneio de tiro com arco, chamada de Jogos de Stoke Mandeville, que ficou sendo realizado anualmente. Em 1952, militares holandeses aderiram ao movimento e os Jogos de Stoke Mandeville se tornaram internacionais. Os primeiros Jogos Paraolímpicos, sob esse nome, foram realizados em Roma/Itália, em 1960, desde então, são promovidos a cada quatro anos, assim como os Jogos Paraolímpicos de Inverno, que tiveram sua primeira edição em 1976, na Suécia.

Desta forma, muito antes de existir uma competição internacional com diversas modalidades esportivas para pessoas com deficiência, já existiam as competições internacionais para surdos. O ICP só foi fundado em 1960, ou seja, 36 anos após a fundação do ICSD!

Em 1985, houve pedido do presidente do IOC, Juan Antonio Samaranch, para que a ICSD se juntasse ao Comitê de Coordenação Internacional (antecessor do IPC) para fornecer uma estrutura organizacional para o desporto adaptado.. O ICSD aceitou participar, após negociar um acordo para manter a autonomia, prosseguiu com seus próprios Jogos.

Porém, em 1990, houve uma grande confusão nos comitês olímpicos nacionais sobre os Jogos Surdolímpicos e surdoatletas. Muitas das organizações nacionais desportivas de surdos, que antes tinham vínculos diretos e harmoniosos com seu comitê olímpico nacional, perderam estas ligações e, foram forçadas unirem-se a uma organização desportiva nacional de deficientes, perdendo sua autonomia e grande parte do seu financiamento. Alguns não tiveram permissão para participar dos Jogos Surdolímpicos e foram orientados a participar dos Jogos Paralímpicos, apesar do fato de que não havia competições para surdos disponíveis na Paralimpíada. As tentativas para que IPC intervisse e ajudasse a resolver esses conflitos foram infrutíferas.

Finalmente, os membros do ICSD, depois de um debate considerável, decidiram que a única maneira de resolver esta confusão entre as Paralimpíadas e Surdolimpíadas era renunciar o seu lugar no Comitê ou desistir dos Jogos Surdolímpicos para participar nos Jogos Paralímpicos. No Congresso de 1993, em Sofia, Bulgária, os delegados instruíram o comitê executivo para explorar as consequências destas duas opções e voltar responder no Congresso de 1995.

O ICSD pediu ao IPC uma resposta de como seria a participação de surdoatletas nos Jogos Paralímpicos em relação ao número de atletas, os tipos de eventos, o fornecimento de intérpretes e controle das competições. O ICSD, também, pediu ao IOC orientação sobre quais as consequências se o ICSD deixasse o IPC e se continuaria reconhecendo os Jogos Surdolímpicos.

O IPC não respondeu formalmente. Em particular, deixaram claro que a adesão valorizaria ICSD, mas, que a participação de atletas surdos nas Paraolimpíadas teria de ser negociada mais tarde. Isso porque seria preciso eliminar algumas modalidades, devido a incapacidade dos Jogos Paralímpicos acomodar o número crescente de surdoatletas, e por causa das exigências de comunicação de surdos, por causa do alto custo de fornecimento de intérprete de língua de sinais.

O IOC, por sua parte, afirmou que se o ICSD quisesse deixar o IPC poderia fazê-lo e que iria continuar a reconhecer o ICSD e os Jogos Surdolímpicos. Os delegados do ICSD votaram então pela opção de se retirar do IPC.

E, depois de 15 anos de luta, finalmente a IOC e o ICSD assinaram o Memorando de Reconhecimento (MoU), em 08 de março de 2016, e desejam que em um futuro próximo, o Esporte Surdolímpico volte a ser valorizado como antigamente.

Portanto, a comunidade surda mundial permanece realizando os seus próprios Jogos Surdolímpicos (Deaflympics), porém infelizmente a falta de visibilidade e de reconhecimento dificulta a obtenção de financiamento das empresas públicas e privadas aqui no Brasil e em vários outros países. Com essas dificuldades, os surdoatletas, quando não estão motivados e patrocinados, acabam desistindo de seus sonhos. Outros conseguem participar arcando as despesas de treinamento e competições de seu próprio bolso e de doações de amigos e familiares.

A sociedade precisa entender e reconhecer as especificidades dos surdos no que se refere à comunicação, à questão da identidade linguística e cultural. Estar fora da Paralimpíada não prejudica nossa inclusão social, o que prejudica é a falta divulgação, incentivos financeiros e valorização dos Jogos Surdolímpicos.

Surdos não se consideram pessoas com deficiência, em particular na capacidade física. Pelo contrário, nós nos consideramos parte de uma minoria linguística e cultural. Em esportes de equipe e alguns individuais, a perda auditiva pode trazer algumas dificuldades ao surdoatleta ao competir com ouvintes. No entanto, isso desaparece nas competições de surdos, nos quais esportes e as suas regras são idênticas às de atletas sem deficiência. Não há esportes especiais, e as únicas adaptações que devem fazer é substituir sinalização auditiva por visuais. Entre os atletas permitidos a competir nos Jogos de Surdos não há classificações ou restrições, exceto a exigência de que tenha perda auditiva de pelo menos 55 decibéis no melhor ouvido.

Nos Jogos Surdolímpicos, os surdoatletas são capazes de competir e interagir entre si livremente, sem necessidade de intérpretes de língua de sinais. Se forem competir nos Jogos Paralímpicos, será necessário um grande número de intérpretes de língua de sinais para evitar as barreiras de comunicação.

Os Jogos Paraolímpicos já enfrentam limites sobre o número de competidores. Em Atlanta, cerca de 4.000 paratletas competiram. Os Jogos Surdolímpicos geralmente atraem cerca de 2.500 surdoatletas. É óbvio que a Paralimpíada não seria capaz de absorver um número tão grande surdoatletas, seria necessário haver cortes em modalidades esportivas de atletas com outras deficiências, prejudicando tanto os paratletas quanto os surdoatletas.

Portanto, os surdos não participam das Paralímpiada por que assim ficou decidido entre ICSD, IPC e IOC como melhor forma para desenvolvimento das atividades específicas de cada. E, a nossa luta é por mais reconhecimento, valorização, visibilidade e investimentos nos Jogos Surdolímpicos.

Fontes:
http://www.deaflympics.com/news.asp?the-world-games-for-the-deaf-and-the-paralympic-games

https://www.olympic.org/news/ioc-signs-mou-with-international-committee-of-sports-for-the-deaf

https://pt.wikipedia.org/wiki/Jogos_Paraol%C3%ADmpicos

http://www.brasil2016.gov.br/pt-br/paraolimpiadas/historia


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